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27 de fevereiro de 2025

NotíciasOlfato em Foco

O paradoxo do olfato: só sentimos falta quando perdemos 

Imagine um mundo sem cheiros. O café recém passado perde o aconchego matinal, a chuva deixa de ter aquele cheiro característico de terra molhada, e os abraços de quem amamos não carregam mais o perfume familiar. Agora, imagine que você só perceberia essa ausência se, de repente, perdesse completamente o olfato. 

Essa é a peculiaridade do olfato: um sentido que passa despercebido até desaparecer. A sociedade valoriza amplamente a visão e a audição – criamos museus para a arte visual, desenvolvemos músicas para emocionar os ouvidos, e tecnologias como óculos e aparelhos auditivos são acessíveis para quem precisa. Mas e o olfato? Ele é frequentemente ignorado, tratado como um sentido secundário, apesar de ser fundamental para nossa percepção do mundo.

O olfato no esquecimento científico e cultural

Culturalmente, o olfato sempre teve um status inferior. Filósofos como Aristóteles e Kant o consideravam um sentido primitivo, ligado apenas a instintos animais. Mesmo na ciência, por muito tempo ele foi negligenciado. O Nobel de Medicina só premiou um estudo sobre olfato em 2004, quando Richard Axel e Linda Buck desvendaram os mecanismos dos receptores olfativos. Até mesmo na educação, enquanto aprendemos sobre cores, sons e texturas, raramente somos ensinados a distinguir cheiros ou a entender sua importância.

Esse esquecimento tem consequências. Quando alguém perde a visão ou a audição, há suporte, tecnologias assistivas e pesquisas robustas para recuperar parte da função perdida. Mas a anosmia (perda do olfato) frequentemente deixa as pessoas sem opções. Muitos médicos não sabem orientar pacientes com anosmia pós-viral, e pesquisas sobre tratamentos ainda engatinham.

O poder oculto do olfato

O que poucos percebem é que o olfato é muito mais do que um luxo sensorial. Ele é essencial para a nutrição, pois 80% do que chamamos de “sabor” vem dos aromas dos alimentos. É um sentido de alerta, avisando sobre perigos como fumaça, gás ou comida estragada. Além disso, está profundamente ligado à memória e às emoções – basta sentir um perfume para ser transportado a uma lembrança da infância.

A anosmia, portanto, não é apenas a perda de um sentido, mas uma desconexão com experiências essenciais da vida. Pessoas com anosmia relatam sentir-se isoladas, menos conectadas às emoções e até mesmo desinteressadas pela comida e pelo convívio social.

E se treinássemos nosso olfato como treinamos a visão e a audição?

Se tratássemos o olfato com a mesma importância que damos aos outros sentidos, como seria nossa relação com o mundo? Poderíamos ter museus olfativos, onde visitantes exploram cheiros históricos e culturais. Poderíamos ensinar crianças a nomear e descrever aromas, assim como ensinamos cores e sons. E, talvez, a pesquisa sobre anosmia recebesse mais atenção, permitindo avanços mais rápidos nos tratamentos.

Neste Dia da Conscientização da Anosmia, o desafio não é apenas lembrar daqueles que perderam o olfato, mas também reconhecer a importância desse sentido antes que ele nos falte. Comece hoje: feche os olhos, respire fundo e preste atenção aos cheiros ao seu redor. O que você sentir pode ser a chave para valorizar um sentido que molda silenciosamente nossas vidas.